
Tinha um quotidiano que por vezes me aborrecia. Acordava sempre na mesma cama e casa, comia sempre na mesma cadeira e na mesma mesa, arranjava-se sempre na mesma divisão e à frente do mesmo espelho, saia sempre para a mesma rua a caminho da sempre mesma estação de transportes, sempre na mesma cidade. Portugal aborrecia-me. Queria mais e arranjou a desculpa ideal: estudar em Paris.
Não foi propriamente uma desculpa, mas a realização de um sonho antigo. Ter formação numa das melhores universidades da Europa, numa das capitais mais bonitas do mundo e acabar com um diploma consistente e poderoso no mundo de trabalho.
O sonho realizou-se. A ideia parecia perfeita, e foi-o...nos primeiros dias.
Percebi que os quotidianos podem ser chatos, a cama, a casa, a cadeira, a mesa, o quarto, o espelho, a cidade, os transportes, tudo isso pode aborrecer, mas mudando de cidade perdemos o aborrecimento e ganhamos a saudade.
Felizmente escrevo em Português! Saudade, ah Saudade. Que saudade tenho de olhar para o Rio Tejo quando cruzava o rio a caminho da cidade de Lisboa para ir ter com amigos. Que saudade tenho de acordar em casa e receber um beijo dos meus pais como quem diz "o dia vai correr bem". Que saudade tenho em correr para o metro por saber se chegarei atrasada a determinado sítio, aquela pessoa especial vai gritar e aborrecer-se pelo meu (constante) atraso. Que saudade tenho de cantar de pijama quando acordo e ouvir um "cala-te!" do meu irmão. Que saudade tenho de receber um abraço, um beijo, um olhar de uma pessoa que me conhece há mais de três meses.
Tenho saudades do meu pai que, longe, sozinho está. Tenho saudades da minha mãe que, em casa, olha para as minhas coisas mas não me vê. Tenho saudades do mau feitio mas cumplicidade total do meu irmão. Tenho saudades da minha melhor amiga a quem não dei muita atenção nos últimos meses antes de sair de Portugal por ter medo de me desfazer em mil moléculas à frente dela. Tenho saudades dos meus amigos que me esperavam nos transportes, sem nunca se queixarem do meu atraso. Tenho saudades de me sentir eu.
Sei que estar em Paris garantirá que tenha um bom futuro, um bom trabalho, uma boa carreira, a possibilidade de alugar um bom apartamento...até lá, faço de tudo para acabar o curso bem, com uma boa média, com um bom estágio e, de preferência, rapidamente para regressar para o sítio que me aquece o coração. Aproveitem todo o tempo no vosso quotidiano monótono...um dia terão saudades.
3 comentários:
bonito! Tb já tive saudades e saudades nenhumas. é bem gostoso sentir a falta de pormenores e especialmente de pessoas. Aproveita tudo.
deixei este comentário no facebook mas nunca é de mais repetir!
as tuas palavras são das mais bonitas que já li, sejam tristes ou alegres, simples ou compostas ...as rotinas fazem nos falta a vida é feita de rotinas pequenas "repetições" que são necessárias, sim é bom "fazer algo diferente" mas sabe bem aquela repetição tão banal que pode parecer um simples beijo de bom dia, um beijo de boa noite daqueles que mais amamos :) vem visitar-nos assim que for possivel!
fiquei a adora-te só daquele bocadinho na aula magna, com a tua escrita gosto ainda mais de ti, inspiras-me menina krystel, com estas palavras tão verdadeiras tão bem cordenadas e que em sintonia forma belas frases!
um beijo grande*
Joana
Armação de Pêra aborrecia-me. A rotina era sempre a mesma. E estudar em Lisboa, morar em Lisboa, era um sonho que tinha desde criança. Sabes a que conclusões cheguei, depois da 1ª semana de aulas aqui? Que a rotina continua a ser a mesma, apenas mudam os espaços; que a rotina aborrecida pode ser melhorada pelo facto de termos connosco os que mais amamos e que os sonhos devem continuar a ser aquilo que são: sonhos. Não há uma semana que não conte os dias para ser 6ª feira e apanhe o comboio para onde sou mesmo feliz. :)
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